José Pedro Cortes - One's Own Arena



As imagens de José Pedro Cortes são habitadas por elementos de diferentes genealogias. Pessoas, casas, paisagem, acidentes urbanísticos, tudo encontra um lugar nas suas fotografias e a estratégia, o foco, o tema alteram-se a cada imagem. Um trabalho que deve ser visto não enquanto tentativa de imposição de uma visualidade construída a partir de esquemas compositivos e plásticos, mas como esforço de compreender o mundo enquanto imagem. Quer esteja na Costa da Caparica, em Israel ou em Toyama no Japão, todos os lugares onde desenvolveu projectos mais complexos e demorados, a sua ambição é sempre usar a fotografia como ferramenta de aproximação, relação e conhecimento. A série One's Own Arena, de que esta exposição é uma seleção, não é exceção e nela pode ver-se a mesma espécie de metodologia fotográfica, criativa e prática que Cortes tem vindo a desenvolver e a aprofundar. Sobre esta série diz: Circulamos à volta de paisagens, objectos e pessoas em Toyama, uma pequena cidade no Japão. Olhamos para as situações banias como alguém a beber uma cerveja ou uma rua ao anoitecer, ao mesmo tempo que somos, por exemplo, confrontados com uma sequência de imagens de uma mulher a ser fotografada num quarto. Todas essas situações são pouco narrativas e tendem a puxar-nos para dentro da imagem, o que as isola e as põe num diálogo tenso. E são estas tensões que caracterizam as diferentes imagens e que não se deixam sintetizar num tema unificado ou numa ideia a ser desenvolvida à maneira de uma tese que se pretende demonstrar. O seu movimento é imprevisível e realiza gestos de expansão e contração, abertura e fechamento, exprimindo-se tanto em objectos isolados como se fossem fragmentos de uma cena maior - uma jarra de vidro, por exemplo -, como em detalhes arquitectónicos, cenas quotidianas como um jantar ou situações íntimas como aquelas em que estão as mulheres que voluntariamente se despem para as imagens e se submetem ao aparato fotográfico, etc. Trata-se de uma forma particular de deambulação que não é inteiramente deambulação, porque para o fotógrafo fazer fotografia é indissociável de uma forma fundamental de demora, distante da ideia de 'instantâneo' que caracteriza tanto da fotografia contemporânea que tem no quotidiano a sua vocação. Portanto trata-se de um deambular que não se caracteriza por um desprendimento relativamente à realidade que usa como matéria de construção das suas imagens e, em vez de uma perspectiva em voo que vê tudo à distância e do alto, se coloca no centro das cenas e junto às coisa e às pessoas de que quer formar uma imagem.
A fotografia não é para Cortes uma linguagem imediata, mas um instrumento de aproximação e de relação, ou seja, constitui uma possibilidade de chegar ao mundo e se relacionar com ele. Mas não é uma relação estética, pictórica e exclusivamente artística: trata-s de realmente se deixar envolver pela realidade. Diz o fotógrafo: Uso uma estratégica simples que é perguntar como é que aqui, neste sítio distante, a pessoas da minha idade vivem. E assim fui conhecendo pessoas com vidas muito normais, com filhos, a trabalharem e com quem fui passando algum tempo. Uma coisa honesta, sem qualquer interesse artístico, apenas pessoas que nos vão interessando. aos poucos criei com elas uma relação próxima, por vezes fotografando-as, tudo numa fronteira muito ténue entre a intensidade dos retratos e a fragilidade de uma proximidade muito recente. Não que defenda que esta proximidade me traga imagens mais 'reais' ou 'verdadeiras'. Pelo contrário, nesta exposição há muitas imagens onde se nota direcção, encenação e a minha presença. Mas falo de uma proximidade e uma tensão entre fotografia e fotógrafo que só se descobre nesse confronto de ter alguém à nossa frente e ter que o dirigir. Esta descrição não inscreve estes trabalhos no campo do documento ou do arquivo, mas faz deles materializações de uma forma de atenção e possibilidades de acesso ao mundo e aos seus factos. Uma atenção à realidade que não se limite a deslocar as coisas do mundo para o contexto da arte, assumindo-se como esforço e tarefa de conhecimento para os quais a direção da fotografia (a encenação da cena fotográfica) e a montagem servem como motores de criação de uma ficção. Ficção esta que não serve um propósito de distração, sendo uma forma de intensificar a relação com a realidade. Aspetos estes com importantes consequências na temporalidade do método de José Pedro Cortes: O meu processo - o tempo que passo com as pessoas - é o segredo que as imagens contêm para existirem e para se acreditar nelas. Como se chega lá, às imagens, é apenas uma questão de moralidade. E não falo da moralidade de grupo, da justiça e compreensão mútua, ou neste caso, da correcção do fotógrafo face ao fotografado. Falo da moralidade de um indivíduo. Como é que ajo quando tenho uma pessoa à frente; onde estão os meus limites, que imagens é que verdadeiramente quero. E quanto mais tempo passa, mais esta luta é grande e mais chego à conclusão que acabo sempre por lutar comigo. Por isso, os retrato são tão importantes para mim. Ainda que estas palavras surjam no contexto dos seus retratos, elas sevem como matriz de todo o fazer de Cortes: deixar-se ficar e acreditar que as imagens não são simples invenções do ócio humano, mas verdadeiro acessos ao mundo e ao outro. A sua moralidade, que também é o seu segredo, é a exigência feita por estas fotografias de serem enfrentadas não enquanto existências pictóricas fixadas numa folha de papel e penduradas numa parede, feitas para contentamento da vaidade humana, mas como verdadeiros redações da realidade objectiva do mundo.
Nuno Crespo.
Todas as citações do fotógrafo são retiradas de uma conversa conduzida pelo autor do texto.
Texto de Nuno Crespo que acompanha a folha de sala da exposição.












Em paralelo com a a exibição foi editado em formato livro com mais fotografias referentes ao projecto.
Capa Dura / 30.5 x 22.5 cm / 168 páginas
38€ 
Disponível através da editora Pierre von Kleist


Exposição em exibição no Museu da Electricidade - Fundação EDP até ao próximo dia 13 de Dezembro de 2015. Mais informações em : http://www.fundacaoedp.pt/exposicoes/one-s-own-arena/196.

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