Henri Cartier-Bresson - Valência

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Valência, Espanha, 1933 - Henri Cartier-Bresson

Ao observar uma fotografia, várias são as questões que estão relacionadas com a mesma. Talvez as mais evidentes e que suscitam maior interrogação são as que envolvem a natureza desta e a sua criação. Dependendo da génese e do meio em que estas são registadas existe uma série de factores que envolve a construção de uma fotografia. É estúdio ou exterior? Retrato ou Natureza Morta? Documental ou Conceptual? Estes podem ser apenas alguns dos pontos de partida para definirem em que meio se encontra a imagem. Como se chega até ela, qual é a a sua construção e a sua escolha? 

Apesar de existirem regras e práticas que são comuns à maior parte dos fotógrafos, cada um desenvolve o seus próprios métodos que permitem definirem-se como autores. Neste caso a fotografia que serve de exemplo para análise é do fotógrafo Henri Cartier-Bresson, registada durante a sua incursão por Espanha durante os anos 30 do século XX. Inerente à sua prática estavam associados métodos e princípios que o definiram como o autor de uma nova abordagem à fotografia que o próprio apelidou de momento decisivo, imortalizado com o seu mais famoso trabalho Images à la sauvette (1952). 

Mas como se constrói este momento decisivo, tantas vezes invocado para exaltar a fotografia. Será ele realmente decisivo para documentar determinada situação? 

'Não existe nada neste mundo que não tenha um momento decisivo', serve de epígrafe ao início de Images à la sauvette. Cartier-Bresson defende que num momento oportuno todas as formas presentes no campo visual se alinham e reflectem um conteúdo pleno de significado.

A fotografia registada numa praça de touros em Valência em 1933 oferece um bom exemplo daquilo que se considera o momento decisivo. Primeiro que tudo é uma imagem caracterizada pela sua composição eximia. A porta, no primeiro plano à direita, que é quase quadrada é recortada por uma janela cuja forma rectangular replica a forma completa da imagem, o rectângulo. No lado esquerdo da fotografia compromete outro conjunto de formas rectangulares que se encaixam umas nas outras e sugerem uma redução das proporções da imagem, com ênfase na forma vertical. Ao centro a imagem é tomada por uma série de semicírculos com o número 7 no meio. Ao fundo, em pé e junto à porta que aparenta ter as mesmas semelhanças da porta no primeiro plano encontra-se uma figura humana desfocada. A curvatura do seu corpo prolonga e repete a curva do número 7. O seu rosto está situado no centro dos semicírculos. Um destes semicírculos é tangente ao limite do negativo, assim como dois deles vão de encontro ao limite do caso do homem que aparece em primeiro plano. Outro circulo  surge no rosto do homem que está à janela. A fotografia foi registada no preciso momento em que a luz reflectida na lente dos óculos faz surgir um circulo perfeito. Este observador, que contempla a tourada através do seu monóculo de luz, evoca - bem no centro do coração da fotografia - a posição do fotógrafo que observa a cena através do olho de vidro da sua câmara. Não só a imagem está construída de uma forma bela, como oferece uma compreensão simbólica de toda a situação. Pessoas a observar, a tensão da corrida, a divisão do espaço em zonas que protegem o espectador da violência da tourada... tudo se encontra presente neste fotografia, incluído o próprio fotógrafo. A fotografia é aquilo que Cartier-Bresson descrevia como 'o reconhecimento simultâneo, numa fracção de segundo' da combinação de organização e significado de um determinado evento.
Cartier-Bresson certamente não calculou ou preconcebeu esta composição - o seu subconsciente visual reconheceu-o de forma intuitiva.      

Para Cartier-Bresson, o princípio e o estilo que define a sua fotografia é caracterizado pela beleza dotada de um carga geométrica, pronta para qualquer matemático a traçar a régua e esquadro onde as mais diversas formas convivem em harmonia. As suas imagens reflectem tanto de um acto humano ( a observação de natureza e a vida humana - conteúdo) como de mecânico ( a perfeição e a geometria das suas imagens - forma). 
Compreende-se então o porquê do próprio admitir ter poucas fotografias que considera-se realmente boas. Esses momentos em que todas as conjugações e factores se reúnem de forma 'perfeita' num ínfimo espaço de tempo, são escassos. Ele sempre os soube procurar, antecipar e observar. Não são disparos únicos, antes pelo contrário, são sinónimo de insistência, como se pode observar pela seguinte sequência de imagens, que revelam a abordagem do fotografo perante a situação.
sequência de fotografias que dão origem à imagem principal 
Pouco depois da Segunda Guerra Mundial Cartier-Bresson destruiu as fotografias que considerava não estarem à altura dos seus padrões. Para além dos diversos textos que deixou em vida, as sequências de imagens revelam de forma directa a sua maneira de estar ao registar o momento,  ajudando a compreender melhor a sua abordagem no acto fotográfico.  Ainda assim ele manteve alguns negativos da sua série que registou em 1933 na praça de touros em Valência. Em 1952, em Images à la sauvette a fotografia escolhida para a ser publicada foi a primeira imagem no topo esquerdo da sequência. Cinco anos antes na sua exposição no MOMA (1947) a fotografia escolhida foi a que está no topo desta publicação.
Para quem a escolha e a edição fotográfica sempre foram aspectos cruciais do seu trabalho, é curioso que para o mesmo momento Cartier-Bresson se tenha decidido a exibir duas fotografias da mesma situação.
Talvez o 'momento decisivo' não seja tão decisivo assim e que a sua teoria queira demonstra que existe algo mais para além do registo perfeito do momento. Que os momentos para registar a fotografia ideal de uma situação até são vários e não são fruto de epifanias ou revelações. Antes pelo contrário, são fruto de trabalho, persistência e observação, estudo e compreensão das imagens.

E se no momento do registo as hipóteses até podem ser várias, a maior dificuldade reside na distinção da fotografia que deve servir os propósitos do fotógrafo, a selecção decisiva.

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